Através da alimentação obtemos a energia e nutrição
necessários para viver. Evolutivamente, nosso organismo desenvolveu diversos
mecanismos, para regular fisiologicamente o nosso comportamento alimentar,
conduzindo assim os estados de FOME e SACIEDADE. Sendo assim, a extensão da
parede estomacal, atividade intestinal, funcionamento do fígado, produção de
hormônios como insulina, leptina, grelina, colecistocinina, entre outros, atuam
como reguladores de fome e saciedade. No entanto, o comportamento alimentar
está muito longe de ser apenas uma função biológica do nosso corpo, sofrendo
influencias emocionais, sociais e culturais, o comportamento alimentar é um
mecanismo bem mais complexo.
O ato de alimentar a si e aos outros possui significados
variados e importantes na subjetividade dos indivíduos. A atribuição da
amamentação e do preparo de alimentos para a família constitui um fator da
construção da subjetividade feminina, em todas as festividades um ponto central
da reunião das pessoas é em torno do cardápio (quaresma, ceia natalina, bolos e
doces de aniversário, churrasco de comemoração, almoço de dia das mães e dos
pais, etc), e a alimentação ainda é influenciada por questões culturais e emocionais,
pois não coemos apenas grupos alimentares: fibras, proteínas, gorduras e
carboidratos, ou apenas nutrientes como vitaminas e minerais. Escolhemos nossos
alimentos conforme nossas preferencias de sabor, e nas escolhas interferem a
acessibilidade do alimento, a conveniência, e ainda regulamos a quantidade do
que comemos conforme a fome, a vontade de comer e nosso estado de humor. Ter
uma relação saudável com a alimentação é imprescindível para uma vida saudável.
Não comemos apenas para sobreviver, mas desenvolvemos com a comida um
relacionamento íntimo, afetivo, cultural e social. Cerca de 90% de nosso
funcionamento cerebral é emocional, por isso precisamos entender e valorizar a
interferência dos nossos componentes emocionais em tudo o que fazemos, negar a
predominância emocional de nosso funcionamento cerebral, exaltando nossa
racionalidade é a primeira armadilha para boicotarmos nossa saúde mental, e
reduzirmos a nossa capacidade intelectiva. Por outro lado, aprendermos a lidar
com nossas emoções, desenvolvendo habilidades afetivas nas diversas áreas de
nossa vida é essencial para obtermos sucesso em tudo o quanto pretendemos.
Para a OMS saúde é um estado de bem estar Bio Psico Social,
onde o ser humano é visto não apenas como um organismo físico, mas englobando
suas complexas formações psíquicas e sociais. Em discussões sobre o que seria
normal (saudável), e o que seria patológico, o célebre Canguilhem relativizou,
mostrando que saudável vai muito além do que um julgamento pré-estabelecido, e
nos mostrou que uma pessoa é saudável não apenas na ausência de doenças, mas
também quando essa pessoa percebe-se normal. Dessa forma compreendemos que a
saúde psíquica, depende diretamente da influência marcante da autoimagem que
construímos de nós mesmos como pessoas quanto indivíduo e quanto ser social. Os
transtornos psíquicos geralmente nascem de problemas na construção dessa nossa
autoimagem.
O CID-10 (10ª edição da Classificação Internacional das
Doenças da OMS) dedica a categoria F50 aos transtornos alimentares, que são a
alteração dos comportamentos alimentares associados a perturbações
psicológicas. Nessa categoria são descritos os parâmetros diagnósticos para
anorexia, bulimia, Hiperfagia, e outros transtornos alimentares não
especificados. Devido a relevância estatística do grande número de pessoas
afetadas pela obesidade no mundo hoje, nesse texto falaremos da Hiperfagia,
também conhecida como compulsão alimentar, vício em comida, glutonaria, etc. A Hiperfagia é comportamento de comer
excessivamente, existindo variações do padrão desse comportamento, que pode ser
episódico, constante ou variado, conforme a reação da pessoa a eventos
emocionais. A Hiperfagia leva à obesidade, e a obesidade por sua vez pode
levar o indivíduo a desenvolver baixa autoestima e perda de confiança nos
relacionamentos pessoais, tornando-se causa de outras perturbações psicológicas
como depressão, ansiedade, fobia social, neuroses, etc.
Vivemos hoje no mundo um verdadeiro surto de obesidade,
fruto de uma complexa realidade que vem se construindo ao longo das últimas
décadas: falha nas diretrizes alimentares oficias, excesso de oferta de
alimentos fast food, mudanças nos padrões comportamentais de alimentação e
atividades físicas, mudança nos padrões de comportamento social e familiar em
que homens e mulheres abraçam o mercado de trabalho e o cuidado com os
alimentos da família passam a ser atribuídos à indústria alimentar, entre
muitos outros fatores envolvidos. Pesquisadores de Harvard, em um estudo
epidemiológico ao longo de 20 anos, com mais de 12mil indivíduos, detectaram
uma tendência de padrões comportamentais serem regulados pelas pessoas
afetivamente próximas. Assim pessoas que tendem a não se exercitar e comer de
forma exagerada, influenciam as pessoas de sua convivência, assim como o oposto
também ocorre. Dessa mesma forma o ambiente é influenciado e influencia o
comportamento das pessoas, pois em lugares onde as pessoas tem uma maior
demanda por fast food, existe uma tendência a existir grande oferta de
estabelecimentos que ofertem esse tipo de alimento, reduzindo proporcionalmente
a existência de estabelecimentos onde se oferece alimentos mais naturais e
saudáveis, reduzindo por consequência a oferta de opções saudáveis de
alimentos. Vemos assim, que o surto de obesidade não se deve apenas ao
comportamento alimentar isolado de uma pessoa, mas a um conjunto de fatores que
vem sendo construídos há décadas, construindo todo um paradigma de vida do qual
precisamos refletir e começar a interferir como agentes de mudança, afim de construirmos
um futuro onde as pessoas tenham mais saúde, no conceito amplo da palavra.
Dessa forma podemos considerar uma perspectiva holística da compulsão
alimentar, e entender que ela influencia e é influenciada não só na
subjetividade psíquica, mas também nos espaços sociais, e por isso tornou-se um
importante fator de saúde pública, que no entanto é pouco abordada.
Muitos acreditam que Compulsão Alimentar consiste apenas em
episódios, assim como a bulimia, mas sem os comportamentos expurgatórios de
compensação (vômito, uso de laxantes e diuréticos, etc). No entanto a
hiperfagia é bem mais ampla e complexa. Indivíduos com compulsão alimentar
tendem a comer excessivamente, seja de forma constante, seja de forma
episódica, e até mesmo havendo variações entre esses padrões e períodos de
dieta. Ao comportamento de comer excessivamente existe a associação emocional,
conforme a ocorrência de eventos estressores a pessoa pode vir a comer ainda
mais que o normal, apenas parando mediante mal estar por empanturramento. Em
alguns casos a pessoa não demonstra vergonha por sua hiperalimentação, mas em
outros casos isso pode acontecer, levando a pessoa a comer escondido. Por conta
da obesidade muitos tentam diversas vezes empreender dietas, seja por
necessidades de saúde, seja por vaidade. No entanto essas dietas raramente são
capazes de auxiliar, visto que diante estressores emocionais os gatilhos da
compulsão podem ser ativados, levando a pessoa a voltar aos episódios ou mesmo
perder a aderência da dieta, formando um verdadeiro ciclo vicioso:
*O estresse me
desestabiliza emocionalmente *Como demais *Engordo *Me sinto mal por estar
gordo *Quero emagrecer *Inicio uma dieta restritiva *A restrição me causa
estresse *O estresse me desestabiliza
emocionalmente *Como demais...
O tratamento da compulsão alimentar visa inicialmente
reduzir a compulsividade alimentar, trabalhando as habilidades emocionais do
paciente. Nos protocolos de Terapia Cognitivo Comportamental prevê-se treino em
solução de problemas, treino de habilidades sociais, desenvolvimento de
habilidades de automonitoria e de relaxamento. Nos protocolos psicoterápicos, é
enfatizado que a dieta tradicional, por gerar muita restrição, gera frustração
e por fim compulsão, não sendo possível conciliar dietas tradicionais com
terapia, gerando outro conflito, pois se o paciente durante a terapia não
consegue emagrecer continua sentindo-se mal com sua autoimagem, impedindo assim
avanços significativos na terapia. Essa questão torna-se cíclica por fim, pois
se faz dieta sem terapia, não trabalha seus estressores que provocam a
compulsão e portanto não consegue ter aderência suficiente para a dieta fazer o
efeito pretendido, mas se faz terapia sem dieta, por não estar emagrecendo não
consegue mudar sua autopercepção. Nesse contexto a Terapia Cognitivo
Comportamental inclui em seus protocolos a possibilidade de dietas pouco
restritivas, associados a um trabalho de orientação nutricional que dê ao
paciente consciência de como seu corpo interage com os alimentos, bem como o
desenvolvimento de um repertório comportamental que leve a pessoa a mudar a
forma como se alimenta. Bernard Rangé sugere os seguintes comportamentos, para uma relação mais saudável com a alimentação:
1)Alimentar-se apenas em lugar especifico para esse fim.
2)Quando estiver se alimentando não fazer outras coisas
simultaneamente.
3)Deixar um pouco de comida no prato ao final das refeições.
4)Em vez de comer para se acalmar, apenas comer quando
sentir FOME.
5)Comer lentamente, desenvolvendo a habilidade de perceber a
saciedade.
6)Prestar mais atenção aos indicadores fisiológicos de FOME
e SACIEDADE.
7)Reduzir a disponibilidade de alimentos quando se está
comendo, guardando a comida excedente.
8)Não ter alimentos prontos para consumo, para que tenha que
preparar cada refeição.
1)Alimentar-se apenas em lugar especifico para esse fim.
2)Quando estiver se alimentando não fazer outras coisas
simultaneamente.
3)Deixar um pouco de comida no prato ao final das refeições.
4)Em vez de comer para se acalmar, apenas comer quando
sentir FOME.
5)Comer lentamente, desenvolvendo a habilidade de perceber a
saciedade.
6)Prestar mais atenção aos indicadores fisiológicos de FOME
e SACIEDADE.
7)Reduzir a disponibilidade de alimentos quando se está
comendo, guardando a comida excedente.
8)Não ter alimentos prontos para consumo, para
que tenha que preparar cada refeição.
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