16 de ago. de 2016

Compulsão Alimentar

No ano de 1961, pela primeira vez as diretrizes nutricionais das autoridades mundiais guiaram as pessoas para reduzir o consumo de gorduras, indicando que óleos vegetais refinados seriam mais “saudáveis” que a gordura natural, bem como a divulgação de uma pirâmide alimentar colocando grãos e cereais como a base da alimentação e açúcar como o topo. O resultado disso 40 anos depois, é que temos uma epidemia mundial de obesidade, um aumento absurdo da incidência de doenças cardíacas, e a crescente contagem de diagnósticos de transtornos alimentares.
Entre os transtornos alimentares encontramos a anorexia, a bulimia nervosa e a compulsão alimentar. A anorexia apresenta relatos de sua observação desde a época de Cícero (106-43 a.C.) e ganhou essa denominação em 1873 com William Gull, que relatava incidir principalmente sobre mulheres jovens que buscavam uma magreza absoluta e apresentavam ausência de fome, reparamos assim que é bem antiga. Entretanto transtornos como a bulimia e a compulsão alimentar apresentam relatos mais recentes, coincidentemente começaram a ser observadas em torno da década de 80. A Bulimia nervosa apresenta seus primeiros relatos datados de 1979, caracterizada por episódios de ingestão compulsiva e rápida de grandes quantidades de alimento, alternada com comportamentos de perder peso (episódios expurgativos).  E o objeto de estudo que buscamos nesse post, a compulsão alimentar, apresenta seu primeiro relato por Stunkard em 1959, tendo sido reconhecida como uma síndrome apenas em 1977 por Wertmuth et al, inicialmente associada à bulimia. Somente em 1991 a compulsão alimentar passou a ser reconhecida como uma categoria isolada que necessitava de pesquisas mais incisivas. Ou seja, uma doença bem recente, que só se desenvolveu após as recomendações nutricionais terem sido estabelecidas como as vemos hoje.
Como é preciso encontrar as causas desse problema, as pesquisas buscaram encontrar “razões”, buscando perfis psicológicos, o que nunca pode ser definido, pois não há características comuns entre os portadores desse transtorno. Cheguei a ler em alguns artigos que o compulsivo alimentar é uma pessoa que não se importa com sua forma física... Isso não reflete a realidade, pois podemos ver o quanto se sentem discriminados, se sentem culpados por não conseguirem emagrecer, e há casos até mesmo de se isolarem socialmente. Então a “culpa” recai sobre os hábitos alimentares e a “predisposição” da pessoa a desenvolver esse transtorno, assim como ouvimos muitos dizerem que "come muito porque quer", e até mesmo atribuir a "sem vergonhice", o que também são grandes engodos, visto que se trata de compulsão, estando longe do alcance da pessoa de exercer controle por esse comportamento, além de sofrer com isso diversos sentimentos negativos.  Os dados oficiais divulgados estimam que a prevalência da compulsão alimentar seja de 2% na população, mas repare na descrição dos critérios diagnósticos:
1 – ingestão em um período limitado de tempo de uma quantidade de alimento definitivamente maior do que uma pessoa deveria consumir (ou seja, não come muito o tempo todo, mas sim em EPISÓDIOS)
2 – sentimento de falta de controle sobre o consumo alimentar durante o episódio (não da qualidade mas sim da quantidade, como a pessoa que come o pacote todo de biscoito)
*comer até sentir-se repleto, comer rapidamente, comer grandes quantidades de alimento quando não fisicamente faminto, sentir-se mal consigo mesmo após comer
3 – angústia relativa aos episódios periódicos (a pessoa sente culpa sim)
4 – Ter pelo menos dois episódios por semana, ao longo de 6 meses
E se começarmos a refletir, conhecemos muitas pessoas que apresentam esse comportamento, em determinados horários, fases da vida, ou mesmo em períodos de estresse. Muitas vezes, nós mesmos podemos estar apresentando esse comportamento mediante períodos de estresse emocional ou frustração, como um mecanismo de compensação. O fato de apresentar episódios uma vez por quinzena também é preocupante, por ser frequente.
Não é mais segredo as motivações emocionais que os alimentos representam para as pessoas. Todos temos os alimentos de “conforto”, normalmente envolve algum açúcar ou carboidrato simples (massas), e costumamos descontar frustrações recorrendo a esses alimentos. O interessante é que nunca conheci uma pessoa que usasse “alface” como alimento de conforto, e quem estiver lendo isso vai pensar: “é óbvio”. Mas porque é óbvio? Pela lógica da importância emocional, não vem a explicação do sabor, ou textura, pois seria simplesmente a ingestão. Mas sim, tem muito a ver, pois esses alimentos ricos em carboidratos eles tem um efeito especial, eles são produzidos para agradar excessivamente nosso paladar, e somos seres movidos pelo prazer. O que é mais apetitoso: uma pizza ou um pimentão? Resposta óbvia não é mesmo? Entretanto esses alimentos engordam muito, trazem sérios problemas de saúde, e são disparadores de compulsão. Portanto, os alimentos que uma pessoa identifica como disparadores de compulsão,  precisam ser evitados ao máximo, e mesmo quando for consumi-los, fazer com que seja de forma reduzida (como comprar uma coxinha e comer em outro lugar onde não possa comprar mais uma).
As pessoas comem, engordam, e ao longo da VIDA fazem o que? Dietas e regimes para tentar emagrecer, se impondo severas restrições alimentares,  até mesmo nutricionais, por longos períodos. Existem ainda as perspectivas de dietas em que a pessoa deve se impor padrões muito rígidos de alimentação, comendo de 3/3h quantidades calculadas de calorias. Acontece que a rigidez e a restrição alimentar são também fatores de precipitação da compulsão alimentar, pois todo comportamento restritivo gera por si só angústia e ansiedade, como também frustração. Toda pessoa exposta a esses sentimentos por longo período de tempo irá buscar um escape em algum momento. Além disso, o compulsivo alimentar tende a girar sua vida em torno da comida, pois acaba se tornando a sua principal fonte de prazer (visto que nas relações sociais pode ser discrmininado e até sentir-se retraído por vergonha do próprio corpo). Portanto uma dieta para comer de 3/3h irá fazer com que o compulsivo PENSE em comida o dia todo, reduzindo em muito as chances de conseguir controlar seus episódios.
Temos uma cultura muito ilógica, em que parece que as pessoas tem medo de passar fome, enquanto nunca se teve tanta oferta de alimento com a maior facilidade. Em nome de não passar fome as pessoas comem mesmo não sentindo fome, e isso não permite que nossos mecanismos naturais funcionem adequadamente. Aprendemos desde crianças a comer mesmo sem estar com fome. Com uma busca rápida na internet se encontra diversos artigos sobre como fazer crianças comerem, e como faze-los comer comidas saudáveis. Isso porque os pais aprenderam com seus pais, e sei lá, talvez com seus avós também, que é preciso obrigar a criança a comer “pelo bem dela”. Então se dá comida o tempo todo o dia inteiro para as crianças, e não se permite que elas sintam fome e através desse sentimento (fome) comam o brócolis, a couve flor, o espinafre, a vagem, a pera, o abacaxi, etc. Além de tornarmos a alimentação baseada em carboidratos, ainda as ensinamos a comer demais, obrigamos a comer até não aguentarem mais, e não as ensinamos a respeitar a saciedade. Quando obrigamos nossos filhos a comerem o tempo todo, e a comerem mais do que deveriam, bem como recorremos a alimentos mais saborosos e menos saudáveis para garantir o volume diário de ingestão, ao invés de garantirmos a qualidade diária de ingestão, estamos ensinando um padrão alimentar errado, e que nossos filhos irão carregar ao longo da vida podendo desenvolver problemas de saúde em decorrência disso.
O resultado de anos de compulsão alimentar acaba sendo a obesidade, e hoje observamos o boom de cirurgias barátricas. Acontece que um compulsivo alimentar passar por esse procedimento que é invasivo e pode colocar sua vida em risco (tanto no momento da operação quanto no pós operatório numa perspectiva de 3 anos), não vai ajudar em nada. Pode conseguir emagrecer em um primeiro momento e depois engordar tudo novamente ao longo de 5 anos, mas também pode romper os pontos cirúrgicos em um episódio de compulsão deixando vazar material gástrico no corpo, correndo risco de desenvolver infecções e até morrer. O correto é tratar a compulsão antes de pensar em fazer um procedimento como esse.
Dados interessantes mostram que a terapia cognitivo comportamental consegue sucesso no controle e redução da compulsão alimentar em 91% dos casos (Duchesne, 2007), entretanto não há dados que comprovem a redução de peso (relatado em apenas 24% dos casos), até mesmo porque o tratamento da compulsão é incompatível com as dietas restritivas tradicionais. A manutenção desse equilíbrio no comportamento alimentar entre os que não perdem peso entretanto não é mantida, e cerca de 42% acabam tendo recaídas após 1 ano, demonstrando a estreita relação entre a compulsão alimentar e os sentimentos negativos a respeito do próprio peso, e colocando em evidência a necessidade de associar terapia e emagrecimento através de metodologias mais funcionais (não restritivas -  e que são indicadas fontes de pesquisa sobre isso no final desse post).
Para tratar a compulsão alimentar é necessário acompanhamento psicológico e médico, pois muitas vezes há associado outros transtornos decorrentes da compulsão, como ansiedade e depressão, podendo ser necessária a administração de medicamentos psicoativos. E acredite, o tratamento da compulsão alimentar envolve não fazer nenhum tipo de dieta ou imposição restritiva alimentar. É importante considerar que precisamos ter uma alimentação saudável, associada com comportamento alimentar saudável. De nada adianta ser compulsivo com comida saudável, pois engorda do mesmo jeito! Por isso, quem se identifica compulsivo, precisa buscar ajuda profissional, para aprender a lidar com a compulsão, e não se jogar em novas dietas e regimes que irão desencadear novos episódios compulsivos.

Em minhas pesquisas por uma alimentação mais saudável e simples, encontrei muitas informações valiosas, baseadas em ciência de verdade, não sensacionalista e sem distorções para beneficiar uma determinada indústria. Essas informações me ajudaram a melhorar o perfil alimentar meu e da minha família, bem como a compreender os motivos da grande dificuldade de muitas pessoas em conseguir emagrecer. Gostaria de compartilhar com vocês essas fontes, e se alguém conhecer outras pode compartilhar também! 
Nesse link vocês podem ouvir o conteúdo sobre esse tema, sempre com a participação de médicos especialistas e o Dr. Souto, que é o autor do lowcarb-paleo.com (atenção especial aos podcasts n. #8 e #9).

Esse é o blog do Dr. Souto e logo abaixo algumas sugestões de leituras desse mesmo blog

  
REFERÊNCIAS
Terapia Cognitivo Comportamental em obesos com TCAP, Rev Psiquitr RS, 2007
Terapia Cognitivo Comportamental para problemas psiquiátricos: um guia prático, K Hawton, et. al,  Martins Fontes, São Paulo, 1997.
Compêndio de Psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica, Harold Kaplan et. al, 7ed, Porto Alegre: Artmed, 1997
Transtornos Alimentares: fundamentos históricos, Táki Ahanássios Cordás e Angélica Medeiros Claudino - Rev. Bras. de Psiquiatr: vol 24 suppl3, São Paulo, Dec 2002
Transtornos Alimentares, José Carlos Appolinário e Angélica Claudino - Rev. Bras. de Psiquitr: vol22 s2 São Paulo, Dec 2000 
Comportamento de restrição alimentar e obesidade, Fabiana Bernadi et. al - Rev. Nutr, vol.18 no.1 Campinas Jan 2005


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