No ano de 1961, pela primeira vez as diretrizes nutricionais
das autoridades mundiais guiaram as pessoas para reduzir o consumo de gorduras,
indicando que óleos vegetais refinados seriam mais “saudáveis” que a gordura
natural, bem como a divulgação de uma pirâmide alimentar colocando grãos e cereais
como a base da alimentação e açúcar como o topo. O resultado disso 40 anos
depois, é que temos uma epidemia mundial de obesidade, um aumento absurdo da
incidência de doenças cardíacas, e a crescente contagem de diagnósticos de
transtornos alimentares.
Entre os transtornos alimentares encontramos a anorexia, a
bulimia nervosa e a compulsão alimentar. A anorexia apresenta relatos de sua
observação desde a época de Cícero (106-43 a.C.) e ganhou essa denominação em
1873 com William Gull, que relatava incidir principalmente sobre mulheres
jovens que buscavam uma magreza absoluta e apresentavam ausência de fome, reparamos assim que é bem antiga. Entretanto transtornos como a bulimia e a compulsão alimentar apresentam relatos mais recentes, coincidentemente começaram a ser observadas em torno da década de 80. A Bulimia
nervosa apresenta seus primeiros relatos datados de 1979, caracterizada por episódios
de ingestão compulsiva e rápida de grandes quantidades de alimento, alternada
com comportamentos de perder peso (episódios expurgativos). E o objeto de estudo que
buscamos nesse post, a compulsão alimentar, apresenta seu primeiro relato por
Stunkard em 1959, tendo sido reconhecida como uma síndrome apenas em 1977 por
Wertmuth et al, inicialmente associada à bulimia. Somente em 1991 a compulsão
alimentar passou a ser reconhecida como uma categoria isolada que necessitava
de pesquisas mais incisivas. Ou seja, uma doença bem recente, que só se desenvolveu após as recomendações nutricionais terem sido estabelecidas como as vemos hoje.
Como é preciso encontrar as causas desse problema, as pesquisas
buscaram encontrar “razões”, buscando perfis psicológicos, o que nunca pode ser
definido, pois não há características comuns entre os portadores desse
transtorno. Cheguei a ler em alguns artigos que o compulsivo alimentar é uma
pessoa que não se importa com sua forma física... Isso não reflete a realidade,
pois podemos ver o quanto se sentem discriminados, se sentem culpados por não
conseguirem emagrecer, e há casos até mesmo de se isolarem socialmente. Então a
“culpa” recai sobre os hábitos alimentares e a “predisposição” da pessoa a
desenvolver esse transtorno, assim como ouvimos muitos dizerem que "come muito porque quer", e até mesmo atribuir a "sem vergonhice", o que também são grandes engodos, visto que se trata de compulsão, estando longe do alcance da pessoa de exercer controle por esse comportamento, além de sofrer com isso diversos sentimentos negativos. Os dados
oficiais divulgados estimam que a prevalência da compulsão alimentar seja de 2%
na população, mas repare na descrição dos critérios diagnósticos:
1 – ingestão em um período limitado de tempo de uma
quantidade de alimento definitivamente maior do que uma pessoa deveria consumir
(ou seja, não come muito o tempo todo, mas sim em EPISÓDIOS)
2 – sentimento de falta de controle sobre o consumo
alimentar durante o episódio (não da qualidade mas sim da quantidade, como a
pessoa que come o pacote todo de biscoito)
*comer até sentir-se repleto, comer rapidamente, comer
grandes quantidades de alimento quando não fisicamente faminto, sentir-se mal
consigo mesmo após comer
3 – angústia relativa aos episódios periódicos (a pessoa
sente culpa sim)
4 – Ter pelo menos dois episódios por semana, ao longo de 6
meses
E se começarmos a refletir, conhecemos muitas pessoas que
apresentam esse comportamento, em determinados horários, fases da vida, ou
mesmo em períodos de estresse. Muitas vezes, nós mesmos podemos estar apresentando
esse comportamento mediante períodos de estresse emocional ou frustração, como
um mecanismo de compensação. O fato de apresentar episódios uma vez por
quinzena também é preocupante, por ser frequente.
Não é mais segredo as motivações emocionais que os alimentos
representam para as pessoas. Todos temos os alimentos de “conforto”,
normalmente envolve algum açúcar ou carboidrato simples (massas), e costumamos
descontar frustrações recorrendo a esses alimentos. O interessante é que nunca
conheci uma pessoa que usasse “alface” como alimento de conforto, e quem
estiver lendo isso vai pensar: “é óbvio”. Mas porque é óbvio? Pela lógica da
importância emocional, não vem a explicação do sabor, ou textura, pois seria
simplesmente a ingestão. Mas sim, tem muito a ver, pois esses alimentos ricos
em carboidratos eles tem um efeito especial, eles são produzidos para agradar
excessivamente nosso paladar, e somos seres movidos pelo prazer. O que é mais
apetitoso: uma pizza ou um pimentão? Resposta óbvia não é mesmo? Entretanto
esses alimentos engordam muito, trazem sérios problemas de saúde, e são
disparadores de compulsão. Portanto, os alimentos que uma pessoa identifica
como disparadores de compulsão, precisam
ser evitados ao máximo, e mesmo quando for consumi-los, fazer com que seja de
forma reduzida (como comprar uma coxinha e comer em outro lugar onde não possa
comprar mais uma).
As pessoas comem, engordam, e ao longo da VIDA fazem o que?
Dietas e regimes para tentar emagrecer, se impondo severas restrições
alimentares, até mesmo nutricionais, por
longos períodos. Existem ainda as perspectivas de dietas em que a pessoa deve
se impor padrões muito rígidos de alimentação, comendo de 3/3h quantidades
calculadas de calorias. Acontece que a rigidez e a restrição alimentar são
também fatores de precipitação da compulsão alimentar, pois todo comportamento
restritivo gera por si só angústia e ansiedade, como também frustração. Toda
pessoa exposta a esses sentimentos por longo período de tempo irá buscar um
escape em algum momento. Além disso, o compulsivo alimentar tende a girar sua
vida em torno da comida, pois acaba se tornando a sua principal fonte de prazer (visto que nas relações sociais pode ser discrmininado e até sentir-se retraído por vergonha do próprio corpo).
Portanto uma dieta para comer de 3/3h irá fazer com que o compulsivo PENSE em
comida o dia todo, reduzindo em muito as chances de conseguir controlar seus
episódios.
Temos uma cultura muito ilógica, em que parece que as
pessoas tem medo de passar fome, enquanto nunca se teve tanta oferta de
alimento com a maior facilidade. Em nome de não passar fome as pessoas comem
mesmo não sentindo fome, e isso não permite que nossos mecanismos naturais
funcionem adequadamente. Aprendemos desde crianças a comer mesmo sem estar com
fome. Com uma busca rápida na internet se encontra diversos artigos sobre como
fazer crianças comerem, e como faze-los comer comidas saudáveis. Isso porque os
pais aprenderam com seus pais, e sei lá, talvez com seus avós também, que é
preciso obrigar a criança a comer “pelo bem dela”. Então se dá comida o tempo
todo o dia inteiro para as crianças, e não se permite que elas sintam fome e
através desse sentimento (fome) comam o brócolis, a couve flor, o espinafre, a vagem,
a pera, o abacaxi, etc. Além de tornarmos a alimentação baseada em
carboidratos, ainda as ensinamos a comer demais, obrigamos a comer até não
aguentarem mais, e não as ensinamos a respeitar a saciedade. Quando obrigamos
nossos filhos a comerem o tempo todo, e a comerem mais do que deveriam, bem como
recorremos a alimentos mais saborosos e menos saudáveis para garantir o volume
diário de ingestão, ao invés de garantirmos a qualidade diária de ingestão,
estamos ensinando um padrão alimentar errado, e que nossos filhos irão carregar
ao longo da vida podendo desenvolver problemas de saúde em decorrência disso.
O resultado de anos de compulsão alimentar acaba sendo a
obesidade, e hoje observamos o boom de cirurgias barátricas. Acontece que um
compulsivo alimentar passar por esse procedimento que é invasivo e pode colocar
sua vida em risco (tanto no momento da operação quanto no pós operatório numa
perspectiva de 3 anos), não vai ajudar em nada. Pode conseguir emagrecer em um
primeiro momento e depois engordar tudo novamente ao longo de 5 anos, mas
também pode romper os pontos cirúrgicos em um episódio de compulsão deixando
vazar material gástrico no corpo, correndo risco de desenvolver infecções e até
morrer. O correto é tratar a compulsão antes de pensar em fazer um procedimento
como esse.
Dados interessantes mostram que a terapia cognitivo comportamental consegue sucesso no controle e redução da compulsão alimentar em 91% dos casos (Duchesne, 2007), entretanto não há dados que comprovem a redução de peso (relatado em apenas 24% dos casos), até mesmo porque o tratamento da compulsão é incompatível com as dietas restritivas tradicionais. A manutenção desse equilíbrio no comportamento alimentar entre os que não perdem peso entretanto não é mantida, e cerca de 42% acabam tendo recaídas após 1 ano, demonstrando a estreita relação entre a compulsão alimentar e os sentimentos negativos a respeito do próprio peso, e colocando em evidência a necessidade de associar terapia e emagrecimento através de metodologias mais funcionais (não restritivas - e que são indicadas fontes de pesquisa sobre isso no final desse post).
Para tratar a compulsão alimentar é necessário
acompanhamento psicológico e médico, pois muitas vezes há associado outros
transtornos decorrentes da compulsão, como ansiedade e depressão, podendo ser
necessária a administração de medicamentos psicoativos. E acredite, o
tratamento da compulsão alimentar envolve não fazer nenhum tipo de dieta ou
imposição restritiva alimentar. É importante considerar que precisamos ter uma alimentação saudável, associada com comportamento alimentar saudável. De nada adianta ser compulsivo com comida saudável, pois engorda do mesmo jeito! Por isso, quem se identifica compulsivo, precisa buscar ajuda profissional, para aprender a lidar com a compulsão, e não se jogar em novas dietas e regimes que irão desencadear novos episódios compulsivos.
Em minhas pesquisas por uma alimentação mais saudável e
simples, encontrei muitas informações valiosas, baseadas em ciência de verdade,
não sensacionalista e sem distorções para beneficiar uma determinada indústria.
Essas informações me ajudaram a melhorar o perfil alimentar meu e da minha
família, bem como a compreender os motivos da grande dificuldade de muitas
pessoas em conseguir emagrecer. Gostaria de compartilhar com vocês essas
fontes, e se alguém conhecer outras pode compartilhar também!
Nesse link vocês podem ouvir o conteúdo sobre esse tema,
sempre com a participação de médicos especialistas e o Dr. Souto, que é o autor
do lowcarb-paleo.com (atenção especial aos podcasts n. #8 e #9).
Esse é o blog do Dr. Souto e logo abaixo algumas sugestões
de leituras desse mesmo blog
REFERÊNCIAS
Terapia Cognitivo Comportamental em obesos com TCAP, Rev Psiquitr RS, 2007
Terapia Cognitivo Comportamental para problemas psiquiátricos: um guia prático, K Hawton, et. al, Martins Fontes, São Paulo, 1997.
Compêndio de Psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica, Harold Kaplan et. al, 7ed, Porto Alegre: Artmed, 1997
Transtornos Alimentares: fundamentos históricos, Táki Ahanássios Cordás e Angélica Medeiros Claudino - Rev. Bras. de Psiquiatr: vol 24 suppl3, São Paulo, Dec 2002
Transtornos Alimentares, José Carlos Appolinário e Angélica Claudino - Rev. Bras. de Psiquitr: vol22 s2 São Paulo, Dec 2000
Comportamento de restrição alimentar e obesidade, Fabiana Bernadi et. al - Rev. Nutr, vol.18 no.1 Campinas Jan 2005